
Memórias
Com Ana Lúcia, foi mais do que mãe: foi espelho, foi chão, foi a linha invisível entre a infância e a coragem. Ensinou a cozinhar, a não contar tudo pra todo mundo, a criar um filho com amor e pulso, a resistir ao que pesa sem perder a leveza.
Nos últimos meses, mãe e filha voltaram ao útero uma da outra. O tempo desacelerou.
E ali, entre silêncios, fios e olhares, Marly entregou o que pôde: calma, paz, aquele olhar de quem sabe que a morte é apenas uma dobra no caminho. Ela dizia, com olhos ou com fé: “O corpo parte. Mas o que é feito de amor, permanece.”

E permanece mesmo.
Permanece no oratório que ficou, no relógio que parou, no pão de queijo que ninguém mais acerta, nas mãos que hoje cozinham porque aprenderam com ela, no jeito que Ana Lúcia hoje segura o mundo, na memória de Felipe, mesmo que difusa, ainda quente. Permanece no que não pode mais ser tocado, mas que ainda mexe. Marly não foi embora. Ela apenas virou semente. E se espalhou onde a gente menos espera: num cheiro, num domingo, num gesto. O nome disso não é lembrança. É eternidade.

Marly Ribeiro de Freitas
Ribeirão Vermelho, MG
nascida em 10/04/1940
Há vidas que não passam simplesmente, elas florescem. Mesmo sob a terra mais árida, mesmo diante dos temporais mais difíceis, existem raízes que insistem em brotar e permanecer. Marly era dessas: profunda, cheia de fé, silêncio e chão. Ela não precisava dizer muito para ser sentida; bastava sua presença, firme como uma prece de joelhos e delicada como uma hóstia na palma da mão.
Filha mais velha de dez irmãos, foi iniciada cedo no ofício do cuidado. Aprendeu tão nova a calar vontades, a limpar o mundo com as próprias mãos e a fazer do sacrifício uma forma silenciosa e constante de amar.


Não teve tempo de ser menina inteira, pois o tempo, apressado, a quis mulher antes da hora. E ela foi: de irmãos, de filhos, da vida. Ficou viúva muito jovem. E mesmo assim, permaneceu. Renunciou sonhos, vontades, caminhos. E fez do amor pelos filhos sua bússola.
Foi uma mãe presente, batalhadora, que não mediu esforços para ensinar com o exemplo. Uma mulher que educava com firmeza, mas regava com ternura. Porque Marly acreditava que o amor floresce se a gente rega. E regou. Com fé, com coragem, com silêncio. O que os filhos são hoje - suas escolhas, suas famílias, seus valores = é extensão direta daquilo que ela cultivou com as próprias mãos.
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Mais tarde, os netos vieram e passaram a fazer parte dessas tradições, entre risos, histórias e colheradas. O primeiro neto foi Felipe. Com ele, ela reviveu a doçura de criar mas dessa vez, com mais ternura do que rigidez. Moravam longe: ela em Belo Horizonte, ele em Ibiá. Mas o reencontro sempre parecia costurado de alegria: abraço apertado, comida quente, silêncio que acolhia. Na infância, ela brincava de soquinhos com ele e dizia: “Se eu fosse velha, conseguiria fazer isso?” Mais tarde, quando ele foi morar com ela, viveu ali algo maior do que uma hospedagem: viveu cuidado.
Na casa dela, havia um altar invisível: a cozinha. Ali, onde panelas ferviam, também borbulhavam encontros, gargalhadas e memórias. Kennedy aprendeu a cozinhar com ela. E carrega até hoje a paixão pelas receitas árabes que Marly aprendeu com vizinhos libaneses em Três Corações - kibe, esfirra, charuto. Comida que vira afeto. Prato que vira história. O pão de queijo dela era uma marca registrada, impossível de replicar. E nas ceias de Natal, mesmo depois da partida do marido, ela reunia todos com uma alegria que aquecia até os cantos mais frios da ausência. Nos domingos, era quase um ritual: família reunida, futebol, cerveja e afeto.
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Ela escolhia o pão na padaria com a mesma atenção com que escolhia os conselhos. Lavava a roupa e, sem dizer, dizia: “estou aqui.” Cuidava como quem sabe que aquele momento também era uma despedida adiantada. O tempo, depois, passou rápido demais. Felipe cresceu, a vida acelerou, e o adeus não foi dito como deveria. Mas o amor, esse ficou - sólido como uma pedra boa no meio do rio. E quando a saudade aperta, ele sente. Ela ainda está. No cheiro de pão, na comida feita com calma, no cuidado que se repete sem alarde.

É verdade: a vida, em muitos momentos, foi dura demais com ela. Mas sempre que isso acontecia, ela ficava mais forte. Fez das perdas um alimento e da ausência sua trincheira. E mesmo sem nunca ter sido treinada para o mundo de fora, foi como quem aprende a nadar com um filho nos braços. Marly era fé em movimento. Era Vicentina: dessas que tiram da própria mesa para servir a do outro. Plantava hortas, mas colhia gente. Não acreditava em caridade de vitrine, mas na bondade que ninguém vê. E sua casa… ah, sua casa era o mundo inteiro em miniatura. Um altar de panelas quentes, promessas sussurradas, netos correndo e filhos sempre voltando.


"Para mim, minha mãe sempre será sinônimo de coragem, fortaleza. O que guardo são grandes lembranças de uma heroína."
Kennedy
"Minha mãe querida, apesar dos anos continuo te amando muito, saudades demais."
Carlos Magno
"Ah dona Marly, minha mãe...
'Não sei porque você se foi, e quantas saudades eu senti'... e ainda sinto! Aquele adeus não foi fácil de ser dado, mas teve que ser! E eu? 'Gostava tanto de você, gostava tanto de você!' Obrigada por tudo, mãe, obrigada por nós, pela oportunidade de ter sido sua filha, por você ter sido a melhor avó que João Vitor poderia ter tido! Você é e sempre será "MINHA MÃE"! TE AMO E ATÉ QUALQUER DIA!
Ana Lúcia
“Minha mãe foi uma mulher querida e caridosa, que tirava da própria boca para alimentar quem precisava. Era vicentina, sincera, presente e cheia de amor por mim e pela minha família. Amava uma boa comida, um passeio, e tinha um carinho que nos envolvia por inteiro. A saudade que deixou é imensa, difícil de aceitar. Onde quer que eu esteja, vejo um pedaço dela. Sua ausência dói, mas sua presença nunca se apagará de mim.”
Sérgio